Virtuose do piano, compositor e renomado professor, Ferruccio Busoni (1866-1924) nasceu na Toscana, cresceu em Trieste e morreu em Berlim. Duas componentes aparentemente inconciliáveis parecem se alinhavar em muitos dos itens de sua extensa produção: as estruturas contrapontísticas da música de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e o pianismo transcendental de Franz Liszt (1811-1886).

Decorrem diretamente da busca por unir barroco e romantismo as suas inúmeras publicações de obras de Bach vertidas para o piano moderno. Ora definidas mais genericamente pelo termo alemão Bearbeitung (próximo do conceito de adaptação ou arranjo), ora como Übertragung (análogo à expressão transcrição), elas são fruto de mais de 30 anos de trabalho, e estão divididas em duas coleções principais: a Busoni Ausgabe, em 25 volumes, e a Bach-Busoni Collected Edition, em 13 volumes (há também uma coletânea menor, as Sechs Tonstücke, de 1916).

Presente no terceiro volume da Bach-Busoni Collected (e também reproduzida na coletânea menor de seis peças) sua versão da “Chaconne”, quinto e último movimento da Partita no2 para violino solo de Bach, tornou-se rapidamente favorita dos pianistas, já que o virtuosismo romântico adicionado ao original jamais rompe com a estrutura sóbria e rigorosa das 63 variações realizadas sobre o tema de apenas 5 compassos, e parece ter sobrevivido até mesmo ao advento, na segunda metade do século 20, das escolas de interpretação musical orientadas historicamente.

No que tange ao violão solo, a “Chaconne” passaria a ganhar espaço central no repertório em 1935 com a primeira performance pública de Andrés Segovia, seguida pela publicação de sua edição para o instrumento da obra prima bachiana. Trazer, por outro lado, uma “adaptação da adaptação” de Busoni para a formação duo de violões é coisa inteiramente diversa, e é o que faz aqui, em seu primeiro álbum de estúdio, o duo Desiderio-Dukić. A versão, que emula nos violões os picos de dinâmica, bem como boa parte dos floreios pianísticos, é assinada por Ulrich Stracke.

Ao lado de Bach, a música antiga encontra espaço neste álbum através de dois compositores italianos, nascidos na mesma região e batizados com o mesmo prenome: Domenico Scarlatti (1685-1757) e Domenico Cimarosa (1749-1801). Scarlatti nasceu em Nápoles e morreu em Madri – onde trabalhou por 25 anos e escreveu a maior parte de suas mais de 500 sonatas para teclado, muitas das quais têm sido transcritas e gravadas tanto ao violão solo como em duo.

Aniello Desiderio e Zoran Dukić interpretam duas sonatas de Scarlatti: a K.466, original em fá menor (aqui fazendo uso da edição de Eleonora Perretta e Lucio Matarazzo, na tonalidade de mi menor) – e que também foi gravada por Desiderio em Chaconne, álbum solo lançado pela GuitarCoop –, e a L.288 (ou K.432), original em sol maior, e apresentada em lá maior na versão assinada pelo violonista uruguaio Oscar Cáceres (1928-2021).

Cerca de 14 quilômetros separam Nápoles – também a cidade natal de Desiderio – de Aversa, onde nasceu Cimarosa. O compositor celebrizou-se por suas óperas (como Il matrimonio segreto) e foi compositor da corte de São Petersburgo a convite de Catarina II, a “Grande”, tendo morrido em Veneza aos 51 anos.
Cimarosa deixou 88 sonatas para teclado, duas das quais aparecem aqui em versão para dois violões realizada por Mario Fragnito e Lucio Matarazzo. São elas a no 28 em dó menor (aqui em ré menor) e a no 55 em lá menor (também com execução em ré menor).

Apesar de a distância entre Nápoles e Zagreb, a capital Croácia, terra natal de Zoran Dukić, superar os 1.000 Km (ou as 680 milhas), ambos são da mesma geração e se conhecem há muito tempo.

Vencedores de alguns dos principais concursos internacionais de violão solo nos anos 1980-90, obtiveram o primeiro prêmio do prestigioso Concurso Internacional Francisco Tárrega, na Espanha, com a diferença de apenas dois anos (Aniello em 1992; Zoran em 1994).

Desde então trilharam carreiras de grande sucesso até a recente criação do duo, no qual unem a perene paixão pela obra de Bach e pela música barroca a um interesse igualmente forte pelas músicas espanhola e latino-americana.

É, portanto, um ponto comum entre eles a admiração pela obra de Astor Piazzolla (1921-1992) e, especificamente, por sua Suite Troileana, escrita no ano de 1975 em homenagem ao bandoneonista Aníbal Troilo (1914-1975). Os quatro movimentos da obra foram adaptados para dois violões por Sérgio Assad, dos quais os três últimos fazem parte desta gravação. São eles: “Zita” (que também integra, como peça avulsa, o álbum anterior do duo Desiderio-Dukić, gravado ao vivo), “Whisky” e “Escolaso”.

Obra clássica do repertório para dois violões – e a única original para a formação presente neste CD –, Tonadilla, composta pelo espanhol Joaquín Rodrigo (1901- 1999) em 1959, recebe aqui uma vibrante interpretação do duo ítalo-croata, e pode também ser saboreada no álbum de estreia do duo, gravado ao vivo na edição 2020 do Festival Internacional de Violão de Koblenz, na Alemanha, igualmente lançado pela GuitarCoop.

Sidney Molina