by Sidney Molina
Bastam poucos compassos de escuta atenta para considerar Anabel Montesinos uma violonista incontornável, alguém cuja arte merece repetidas visitas, cada uma revelando novos aspectos: são camadas de articulações, contrastes dinâmicos desenhados, fluência rítmica, fidelidade estilística – tudo envolvido por uma sonoridade de rara beleza, profunda, e que se mantém plena mesmo nas passagens mais virtuosísticas.
Neste álbum dedicado à música da América Latina, Montesinos extrai sentidos inauditos de uma coleção de peças curtas, todas em movimento único, e que se situam próximas – a despeito de sua sofisticação – das raízes populares de México, Brasil, Venezuela, Paraguai e Argentina.
A busca de um fundamento guitarrístico da cultura latino-americana passa, necessariamente, pelo violonista-compositor paraguaio Agustín Barrios (1885- 1944). Barrios viajou incessantemente pelo continente, absorvendo e disseminando influências até sua morte em San Salvador.
Sua presença no álbum é uma espécie de autoconsciência do violão latino, que surge e retorna sobre si, de Caazapá e Danza Paraguaya ao clássico Las Abejas, para culminar no Vilancico de Navidad. Se a presença do compositor paraguaio é variada em si mesma, uma gama diversa de autores deste álbum – inclusive em termos geracionais – é proveniente da Venezuela.
Cada qual responsável por uma única faixa, aqui estão: Pedro Elías Gutiérrez (1870-1954), autor da faixa título, Alma Llanera, uma joropo afro-venezuelano com letra original de Rafael Bolívar Coronado (1884-1924); Benito Canonico (1894-1971), compositor da clássica El totumo de Guarenas; Rodrigo Riera (1923-1999), importante violonista e professor, com o belíssimo Preludio Criollo; e, finalmente, Antonio Lauro (1917-1986), talvez o mais estabilizado de todos no repertório do instrumento, que comparece com a energética valsa El Marabino.
Da Argentina, Montesinos interpreta a Balada para Martin Fierro de Ariel Ramirez (1921-2010) e, de seu contemporâneo Astor Piazzolla (1921-1992), o Invierno Porteno (na já célebre versão de Sergio Assad). O violonista Cacho Tirao (1941-2007), autor da Milonga de Don Taco, integrou o quinteto de Piazzolla e gravou 36 discos entre 1971 e 2006.
Compositor favorito do violonista espanhol Andres Segovia (1893-1987), o mexicano Manuel Ponce (1882-1948) não está aqui incluído por suas elaboradas sonatas ou temas com variações, mas pelas mais despretensiosas Tres Canciones populares mexicanas (“La Pajarera”, “Por tí mi corazón” e “La Valentina”).
É digna de celebração a profunda incursão de Anabel Montesinos pela música brasileira no presente trabalho. De Villa-Lobos (1887- 1959) a Sergio Assad (1952) – o mais jovem do álbum, autor de “Valseana”, o segundo movimento da suíte Aquarelle – são seis os compositores representantes do violão brasileiro, o que inclui quatro nomes extremamente atuantes no panorama atual do instrumento.
Villa-Lobos recebe interpretações de dois de seus clássicos Cinco Prelúdios para Violão (os no5 e no2), mas a terceira peça do mestre carioca gravada por Montesinos merece comentário adicional: trata-se de “A maré encheu”, extraída do Guia Prático, coleção de 137 canções folclóricas (com as respectivas letras), publicada originalmente em 1932, em harmonizações para piano, tendo em vista uma finalidade didática. “A maré encheu” aparece como item no 76 da coletânea.
Da eminente geração de violonistas compositores nascida no Brasil no ano 1950, a violonista espanhola apresenta: o esfuziante Bate-Coxa (de Marco Pereira); a Carta de pedra, de Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar (unanimemente conhecido como Guinga), uma tristíssima canção com letra original de Aldir Blanc (1946-2020) – nome central da música e poesia popular brasileira vitimado pela covid19 –, aqui em versão instrumental; e Um amor de valsa, de Paulo Bellinati. Não é preciso nenhuma explicação adicional (além da própria ordem das faixas) para perceber a conexão direta entre a valsa de Bellinati e Uma valsa e dois amores, de Dilermando Reis (1916-1977): o tema que abre a peça de Reis vem explicitado como citação nos compassos finais de Bellinati.
Na letra de Alma Llanera, canção venezuelana que inspirou o título deste CD, diz-se: “Soy hermano de la espuma / De las garzas, de las rosas / Y del Sol” (“Sou irmão da espuma / Das garças, das rosas / E do sol”). É com a suavidade da espuma, a nobreza das garças, o aroma das rosas e o brilho solar que Anabel Montesinos se apresenta em seu primeiro álbum exclusivo para a GuitarCoop.
por Sidney Molina
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Primeira parte com a entrevista de Anabel Montesinos, que nos revela sua trajetória na música e como seu processo de estudo e prática musical.
AGUSTIN BARRIOS
01 Caazapá (Aire Popular Paraguayo)
ASTOR PIAZZOLLA
02 Invierno Porteño
AGUSTIN BARRIOS
03 Danza Paraguaya
HEITOR VILLA-LOBOS
04 Amaréencheu (GuiaPrático)
AGUSTIN BARRIOS
05 Las Abejas
ARIEL RAMIREZ
06 Balada para Martin Fierro
SERGIO ASSAD
07 Valseana
CACHO TIRAO
08 Milonga de Don Taco
HEITOR VILLA-LOBOS
09 Preludio V
RODRIGO RIERA
10 Preludio Criollo
AULO BELLINATI
11 Um amor de valsa
DILERMANDO REIS
12 Uma valsa e dois amores
HEITOR VILLA-LOBOS
13 Preludio II
MANUEL PONCE
14 Tres Canciones populares mexicanas
MARCO PEREIRA
15 Bate-Coxa
ANTONIO LAURO
16 El Marabino
BENITO CANONICO
17 Aire de Joropo (El totumo de Guarenas)
PEDRO ELÍAS GUTIÉRREZ
18 Alma Llanera
AGUSTIN BARRIOS
19 Villancico de Navidad
GUINGA
20 Carta de pedra
Created by: GuitarCoop
Recorded at: Fazenda Boa Vista
Date: December, 2021
Booklet Texts: Sidney Molina
Musical producer: Thiago Abdalla
Editing: Felipe Silotto / Thiago Abdalla
Mixing/Mastering: Ricardo Marui
Graphic Design: Eduardo Sardinha
Photos: Giuliano Belotti
Guitar: Steve Connor, 2018
Strings: Savarez Cantiga Alliance Premium, High Tension
Microphones: DPA 2006, Royer SF 24, Neumann KM 184